Pequenos Pinóquios
Um belo dia, você pede para seu filho lavar as mãos antes de almoçar. Ele volta do banheiro carregando seu brinquedo preferido, mas as mãozinhas continuam sujas. Ao perguntar se ele as lavou mesmo, vem a resposta: “Lavei, sim, de verdade!” Para muitos pais, é um tanto quanto desconfortável descobrir que o filho pequeno diz algumas mentirinhas, ainda que inocentes. Afinal, associamos infância à ingenuidade e pureza, nunca à dissimulação. Não demora para um grilinho martelar na orelha dos preocupados papais e mamães se esse comportamento está dentro da normalidade. Felizmente, é normal, sim. E mais: contar lorotas na infância não significa que o indivíduo irá se tornar um adulto falso. Até os 6 anos de idade, ocorre a fase do amigo imaginário, do medo de monstros embaixo da cama, das conversas com animais e plantas falantes. Portanto, inventar situações fictícias está totalmente dentro do esperado. E é preciso entender que as invenções na primeira infância nem podem, a rigor, ser classificadas como mentiras. Veja abaixo.
Realidade fantasiosa
“A criança de até 6 anos mistura fantasia com realidade e, como ela ainda não tem os valores sociais incorporados, não podemos considerar essas mentiras como intencionais”, explica Simone Maciel, psicóloga do Centro Educacional Acalanto, no Rio de Janeiro. “Para a criança pequena, a realidade é o que ela vive e no que acredita. Por isso, muitas vezes, ela altera essa realidade para satisfazer seus desejos”, complementa. E o seu desejo pode ser tão simples como não perder tempo lavando as mãos quando brincar é bem mais interessante, por exemplo. Muitas vezes, o pequeno acredita que seu amigo imaginário disse para ele não fazer aquilo ou que lhe mostrou algo que nunca viu. Há incontáveis situações como essa. “Uma criança pode dizer que viu determinado filme simplesmente porque deseja muito assisti-lo”, exemplifica Simone. “O amigo imaginário é perfeitamente aceitável até os 6 ou 7 anos de idade, já que facilita a elaboração da identidade infantil”, diz a psicopedagoga Maria Irene Maluf, de São Paulo. Somente a partir dos 7 anos é que realidade e fantasia passam a ser coisas claramente distintas. A imaginação é algo fundamental para o desenvolvimento do ser humano e nunca deixa de existir, mesmo na vida adulta. Durante a infância, ela desempenha um papel crucial para a formação do intelecto.
Sem maldade
Mas será que a mentira de uma criança pequena é sempre fruto da mescla entre realidade e fantasia? Ou ela pode dizer algo não verdadeiro de maneira consciente com um objetivo explícito, como o de escapar de um castigo? “Por volta dos 4 ou 5 anos, a criança já usa com freqüência a dissimulação para se proteger. Mas as mentiras ainda não se destinam a enganar maliciosamente. Elas fazem parte do pensamento infantil nessa faixa etária”, afirma Maria Irene. Trocando em miúdos, não há maldade na mentira, uma vez que o menino ou a menina ainda não sabe distinguir bem o certo do errado. Segundo a psicopedagoga, somente depois dos 6 anos é que se desenvolve realmente a capacidade de mentir com uma intenção específica. “O conceito adulto da mentira é bastante diverso daquele da criança com menos de 5 anos, que não é capaz de diferenciar claramente um engano intencional daquele oriundo das distorções da realidade que ocorrem quando ela brinca no seu jogo de faz-de-conta”, conclui Maria Irene.
Qual a melhor conduta?
Apesar de a mistura entre realidade e fantasia ser normal e importante, desde muito cedo os pais devem começar a mostrar a diferença entre as duas. Gradualmente, a criança irá aprendendo a separá-las, até que, aos 7 anos, a distinção se torna bem evidente. Isso não quer dizer que não deva haver estímulo à imaginação dos pequenos. Equilíbrio e bom senso são a chave para ensinar que dizer a verdade é o certo, mas que a fantasia também tem seu lugar. Adultos muito intolerantes com as mentiras podem tolher a criatividade dos pequenos, prejudicar a auto-estima e incentivar um comportamento ainda mais mentiroso como forma de escapar das punições. Já os pais excessivamente permissivos acabam passando a impressão de que as mentiras são aceitáveis. “Não é aconselhável que a mãe e o pai briguem com o filho. Entretanto, eles devem tentar fazer com que ele perceba que é bom falar a verdade, mostrando que é valorizado por essa atitude”, aconselha Simone Maciel. Na opinião da especialista, até os 6 anos, nenhuma mentira deve ser punida. A psicopedagoga Maria Irene concorda: “Castigar a criança por ter mentido não resolve a situação nem evita que ela se repita. O melhor é chamar a atenção do pequeno que mente, mas não insistir ou exagerar na importância do assunto”. Porém, se o garoto, por exemplo, apresentar um comportamento fantasioso exagerado, inventando situações extremamente absurdas com muita freqüência, fique atento. Ele pode estar passando por algum problema psicológico, como carência afetiva, que a faz querer negar a realidade o tempo todo. Nesse caso, procure orientação psicológica.
O exemplo conta muito
Como tudo nas relações familiares, a postura dos pais em relação a verdades e mentiras precisa reforçar o que eles ensinam às crianças. “Muito freqüentemente, os pais mentem para os filhos e desvalorizam a sua própria palavra. Ou encobrem a mentira dos outros. Os filhos tendem a imitar esse mesmo comportamento”, alerta Maria Irene. Quando a própria pessoa que educa não dá o exemplo na prática, a cabeça da criança dá um nó. Por isso, se você realmente deseja formar um adulto que valorize a honestidade, precisa ser coerente com suas próprias atitudes. “Há pais que pedem à criança que minta, orientando-a, por exemplo, que diga ao telefone que não estão em casa. Eles estão ensinando esse ato como aceitável, e a criança pode perceber isso como algo natural e imitar o comportamento”, diz a psicóloga Simone. Mas, se o ambiente familiar espelhar os ensinamentos verbais, valores morais como caráter e honestidade são naturalmente absorvidos. Crescendo nesse contexto, não há mentiroso mirim que corra o risco de se tornar um adulto adepto da falsidade.